ANUT concede entrevista ao Mundo Logística sobre a Lei do Motorista

Lei do Motorista: Insegurança jurídica cria risco de passivo bilionário, diz ANUT

Presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga, Luis Baldez, defendeu, entre outras ações, a criação de pontos de parada e descanso com investimento público

Mais de dez anos após a promulgação, a Lei do Motorista ainda está longe de ser uma unanimidade entre os agentes do transporte rodoviário de cargas no Brasil. Isso porque a Lei n.º 13.103/2015 esbarra em uma realidade estrutural incompatível com a aplicação, gerando um círculo vicioso de judicializações, insegurança jurídica e custos não provisionados. Pelo menos essa é a visão do presidente da Associação Nacional dos Usuários do Transporte de Carga (ANUT), Luis Baldez.

“O primeiro aspecto do problema é tempo de descanso”, disse, durante a entrevista exclusiva para a Mundo Logística. “Os motoristas reclamam que, na maioria das estradas brasileiras, não há um local adequado para eles pararem e utilizarem aquele período que a lei diz que é obrigatório ter”, explicou.

Segundo ele, a dificuldade se intensifica nas regiões Norte e Nordeste do país, onde o cenário logístico é radicalmente distinto daquele encontrado no Sul e Sudeste. “Você vai para o interior do Maranhão, do Piauí, para o norte do Pará, usa os portos de Miritituba e se depara com o fato de que muitas estradas ainda não têm asfalto. E o motorista não vai chegar às duas, três horas da manhã, parar no meio do nada para cumprir aquele horário [de descanso obrigatório, proposto pela lei]”, pontuou.

Nessas situações, o motorista segue dirigindo até encontrar um local seguro. Porém, essa postura resulta no que é interpretado como extrapolação de jornada.

CONFLITOS JUDICIAIS E RISCO DE PASSIVO BILIONÁRIO

Esse descompasso entre norma e realidade tem gerado uma série de ações judiciais, com cobranças retroativas de horas extras e estadias. “Está se criando um passivo grande, principalmente quanto à insegurança jurídica de lá na frente se criar uma quantia incalculável de ganhos, inclusive do lado do caminhoneiro”, afirmou Baldez.

Ele citou como exemplo recente a decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre o pagamento por excesso de peso por eixo, que resultou em uma condenação de bilhões de reais para o setor produtivo.

Com base nesse histórico, o presidente da ANUT teme um cenário semelhante para as penalidades derivadas da não observância dos tempos de descanso previstos em lei. “A nossa preocupação é de criar uma bola de neve de multas e recursos e ter que lidar com a forma como isso será resolvido lá na frente.”

APOIO AO CAMINHONEIRO, MAS COM LIMITES

Apesar da preocupação com os custos e riscos jurídicos, Baldez faz questão de deixar claro que a ANUT é solidária às demandas dos caminhoneiros. “Nós apoiamos os motoristas. Porém, não concordamos com pagar algo que nós não demos causa”, destacou.

Para ele, é inaceitável que o setor produtivo assuma responsabilidades que deveriam ser do Estado. “Não podemos pagar uma multa por não dar causa a um caminhoneiro que está no meio do nada e não tem onde parar. Ele não vai arriscar a sua vida, nem a própria carga, para atender determinados horários. Muitas vezes, as pessoas acham que o Brasil parece o Sudeste — onde é tudo asfaltado e bonitinho. Mas outras regiões, como o Norte, são bem diferentes.”

Enquanto a infraestrutura adequada não vem, os embarcadores buscam alternativas para garantir um mínimo de segurança e condições dignas de trabalho aos motoristas, sobretudo os autônomos. Segundo Baldez, as associadas da ANUT investem em pátios organizados com agendamento de cargas, segurança, vigilância e estrutura para descanso — algo que, na visão dele, melhorou consideravelmente após a greve dos caminhoneiros de 2018.

Além disso, muitas empresas também contratam serviços de monitoramento para acompanhar o trajeto e garantir a segurança do motorista. “Dependendo da carga, até uma segurança particular acompanhando o caminhoneiro, tudo isso nós fazemos”, disse.

Contudo, ele reconheceu que nem sempre é possível replicar essas boas práticas no destino da carga. “Não temos a prerrogativa e nem o controle dessa situação. Fazemos de tudo para ajudá-los, mas também temos nossa limitação.”

O PAPEL DO ESTADO E OS PRÓXIMOS PASSOS

Para resolver a questão de forma estrutural, a ANUT defendeu que os Pontos de Parada e Descanso (PPDs) sejam implantados com investimento público, sobretudo nas rodovias não concedidas. “Nas rodovias concessionadas, nós concordamos em aumentar a tarifa para financiar esses pontos. Mas nas demais, tem que ser investimento público”, reforçou Baldez.

Segundo ele, o Ministério dos Transportes já trabalha com um plano para construir 18 pontos até 2033 ou 2035, mas isso ainda está longe de resolver o problema. “Isso aí é longo prazo. Enquanto isso, esse conflito está instalado.”

A associação também sugeriu uma revisão legal ou normativa que proteja o setor de penalizações injustas enquanto não houver estrutura adequada. “Queremos identificar se há algum aspecto legal ou um ajuste na lei, dizendo que, enquanto não tiver essa rede de ponto de parada, não se paga a multa por não cumprir a jornada, a estadia e assim por diante”, disse o presidente da ANUT.

O tema estará em pauta na próxima reunião do Fórum Nacional do Transporte Rodoviário de Cargas, marcada para 22 de julho. “O Ministério do Transporte pauta isso em todas as reuniões. É um tema recorrente. O próprio caminhoneiro não deixa esquecer o tema — e com razão”, acentuou Baldez.

Fonte: Mundo Logística/Christian Presa em 03/07/2025

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